terça-feira, 9 de agosto de 2011

A PALAVRA DO ARCEBISPO

Autoridade e Serviço

Visitando a obra social das Irmãs Beneditinas, na periferia de Salvador, encontrei-me com umas cinquenta crianças, de 4 a 5 anos, com quem conversei, antes de abençoá-las. De repente, para minha surpresa, um dos garotos levantou a mão, ficando claro que queria fazer-me uma pergunta. Ao me dirigir a ele, ouvi: “É o senhor que manda aqui?…” Curioso: aquela criança está dando apenas os primeiros passos, e – por influência de quem? – já se interessa pela questão do poder, mesmo sem saber o que significa…         

No outro lado da moeda chamada poder está a vaidade. Com frequência, pessoas revestidas de autoridade passam a se julgar mais importantes do que as outras, a partir do seguinte raciocínio: “Se consegui este cargo, é porque sou melhor e mais preparado do que os demais”. O vaidoso facilmente se esquece dos caminhos que percorreu para chegar ao poder – um caminho feito, por vezes, de mentira e de injustiças, de traições e de dinheiro. Há também a experiência curiosa: pessoas que exerceram o poder por determinado tempo, ao deixá-lo, descobriram, decepcionadas, que os “amigos” sumiram, que os tapinhas nas costas desapareceram e os elogios cessaram. Sua vaidade não lhes permitiu perceber, enquanto exerciam o poder, que estiveram o tempo todo cercadas de bajuladores – e o bajulador é sempre um interesseiro.

Em qualquer dicionário, encontramos a clássica definição de autoridade: direito ou poder de se fazer obedecer, de dar ordens, de tomar decisões, de agir etc. Para a maioria das pessoas, a palavra autoridade tem relação direta com a palavra “poder”. Não foi por acaso que uma das tentações de Jesus no deserto, depois de quarenta dias de oração e jejum, foi envolvida pela demonstração de se fazer obedecer, de dar ordens, de tomar decisões: “Se és o Filho de Deus, lança-te abaixo…” (Mt 4,6). Hoje, em busca do poder, valores são desprezados, laços familiares são rompidos e antigas amizades são desfeitas. Quem milita no campo político sabe como é grande e constante a tentação do poder.
A sede de poder não é um problema atual, mas parte integrante da estrutura humana corrompida pelo pecado. Por isso mesmo, atento ao comportamento dos apóstolos, Jesus procurou educá-los nesse ponto. Durante a refeição de despedida, levantou-se, “tirou o manto, pegou uma toalha e amarrou-a à cintura. Derramou água numa bacia, pôs-se a lavar os pés dos discípulos e os enxugou com a toalha que trazia à cintura” (Jo 13,4-5). Os apóstolos não entenderam aquele gesto de humildade. Para Pedro, isso ia profundamente contra a idéia que tinha do Messias. Era, pois, o momento adequado para Jesus abrir novos horizontes na mente dos apóstolos: “Entendeis o que vos fiz? Vós me chamais de Mestre e Senhor; e dizeis bem, porque sou. Se eu, o Senhor e Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns aos outros” (Jo 13,13-14).
A proposta de Jesus em relação ao poder é verdadeiramente revolucionária: não o aceita como um domínio sobre o outro, na linha dos dicionários (“direito ou poder de se fazer obedecer, de dar ordens, de tomar decisões”), mas o prescreve como um serviço: “Dei-vos o exemplo, para que façais assim como eu fiz para vós” (Jo 13,15).
Quando revestido de poder, Salomão demonstrou entender o sentido da autoridade que estava recebendo. Foi-lhe dito que poderia pedir ao Senhor o que quisesse, que lhe seria dado. Embora jovem e inexperiente, não pediu uma longa vida, nem riquezas, nem a morte de seus inimigos, mas “um coração sábio”, capaz de julgar bem o povo e de discernir entre o bem e o mal (cf. 1Re 3,5-11). Seu pedido agradou tanto ao Senhor que ganhou a sabedoria que pedira e, por acréscimo, riquezas e glória.
Para quem é chamado a exercer um cargo, fica a sugestão: reze frequentemente a “Oração de Salomão” (Sabedoria 9): “Dai-me, Senhor, a sabedoria que partilha do vosso trono…”. Em seguida, leia a passagem do Lava-pés (Jo 13,1-20). Então o Senhor, de quem provém toda autoridade, lhe dará a sabedoria pedida e repetirá: “o servo não é maior do que seu senhor” (Jo 13,16).


Dom Murilo S.R. Krieger, scj
Arcebispo de Salvador

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Aguarde moderação do comentário. Obrigada!