Os amigos de Jó
Seu melhor amigo perdeu um filho tragicamente: o que dizer a ele? O vizinho do prédio está numa depressão terrível: como animá-lo? A colega de trabalho está sofrendo com a prolongada doença do pai: com que palavras consolá-la?
A vida coloca você diante de situações para as quais escola alguma o preparou. E o grave é que uma palavra precisa ser dita, um gesto deve ser feito e uma decisão, tomada. Mas quais? Você sabe muito bem que, em horas assim, a boa vontade não é suficiente. Não lhe faltam recordações de palavras que, longe de terem se revelado rico consolo para o outro, deixaram você em situação constrangedora.
Nesse campo, temos muito que aprender de Jó, cuja vida e agruras foram retratadas no livro bíblico que leva o seu nome. Sua figura comove: “Homem íntegro e reto, temia a Deus e se afastava do mal” (Jó 1,1); rico e famoso, despertou suspeitas em alguns contemporâneos e, também, em Satanás: para eles, não havia mistério algum em suas virtudes. Afinal, como tudo corria bem na vida de Jó, era fácil compreender que fosse correto. Mas, e se sua situação mudasse? E se os bens que tinha fossem atingidos? Será que, mesmo assim, ele ainda permaneceria fiel a Deus?
Deus permitiu, então, que Jó fosse provado. Foi o suficiente para enfrentar, em pouco tempo, as mais diversas provações. Empobrecido, ferido e humilhado, Jó chegou a ser ridicularizado até pela própria esposa. Foi então que três amigos seus, de lugares diferentes, ouvindo falar de suas doenças, vieram visitá-lo, a fim de “compartilhar de sua dor e consolá-lo” (2,11). Encontraram-no, contudo, tão desfigurado que, a princípio, nem o reconheceram. Aproximando-se dele, sentaram-se ao seu lado durante sete dias e sete noites, sem lhes dizer uma palavra sequer, “vendo como era atroz seu sofrimento” (2,13).
O drama de Jó é digno de ser meditado por nós. Fixo-me, contudo, no sábio gesto de seus amigos, que anteciparam o que o apóstolo Paulo escreveria cinco séculos mais tarde, como expressão máxima de comunhão: “Alegrai-vos com os que se alegram. Chorai com os que choram” (Rm 12,15). Recordando a atitude dos amigos de Jó, poderíamos completar: sofrei em silêncio com os que sofrem.
Em determinadas situações, mais do que consolar com palavras o irmão que sofre, importa ser uma presença amiga a seu lado, mesmo que tal irmão pareça fechado em sua dor. Quando alguém está envolvido por um grande sofrimento, temos a impressão de que não conseguimos atingi-lo. Engano nosso. Uma presença discreta e silenciosa, marcada pelo desejo de comunhão, é, ao mesmo tempo, consolo e força, bálsamo e luz. Pode ser que num primeiro momento nossa presença nem seja percebida; aos poucos, contudo, faz nascer na pessoa que sofre a certeza de que não está só. É possível que, mesmo assim, ela não entenda o sofrimento que está enfrentando, mas certamente conseguirá superá-lo com mais rapidez e aproveitará melhor as lições daqueles momentos.
Portanto, quando você perceber que não tem palavras para consolar o amigo que sofre; quando a vida reservar provas duríssimas para aqueles que lhe são caros; quando se encontrar diante de alguém que parece perdido em meio à densa escuridão, não se preocupe em lhe falar. Evite, mesmo, repetir aquelas frases que estão tão marcadas pela formalidade que podem até ser um insulto à dor do irmão. Em momentos assim, a grande mensagem será a sua presença.
Se seu amigo não tiver fé, esse gesto de comunhão será para ele uma rica experiência de solidariedade e amor. Se tiver fé, mais facilmente poderá se lembrar daquele que, um dia, tendo assumido sobre si o pecado do mundo, bebeu o cálice da dor até o fim: abandonado pelos amigos, sentiu-se abandonado até pelo próprio Pai. Não percebeu sua presença, mas nela acreditou, a ponto de, confiante, ter-se jogado em seus braços: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc 23,46). Sua ressurreição, três dias após sua morte, foi a prova concreta de que o Pai não o havia abandonado, como não abandona aqueles que, hoje, continuam acreditando em sua presença e confiando em seu amor.
Dom Murilo S.R. Krieger, scj
Arcebispo de São Salvador da Bahia e Primaz do Brasil
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